domingo, 28 de junho de 2015

Sobre Paulos e Paulas



Desde sexta-feira que uma onda da cor do arco-íris varre as redes sociais, tudo por conta da decisão da Suprema Corte americana, legalizando o casamento entre homossexuais em todo o país. Sim, foi lá nos Estados Unidos, um país imperialista, em que o mercado é mais importante do que gente, óbvio que se sabe disso tudo e é claro que enxergamos todos os problemas. 

Contudo, a gente também sabe que é inegável, os Estados Unidos são ainda a maior potência do mundo, especialmente em termos de cultura, ao ponto de influenciar o comportamento mundo afora. Uma vitória assim, dessa magnitude, acontecendo justamente nos Estados Unidos, é uma grande vitória.

Mas para que saibam, se alguém que me lê não sabe ainda, aqui no Brasil em 2011 a união entre homossexuais foi equiparada a dos heteros pelo Supremo Tribunal de Justiça. Foi lindo, com pronunciamentos inesquecíveis, como o do ministro Ayres Brito. E ainda, em 2013 o Conselho Nacional de Justiça obrigou os cartórios a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Ou seja, o casamento igualitário é uma realidade em terras tupiniquins. Casais homossexuais têm direitos legais. Só falta virar lei, como acabou de acontecer nos Estados Unidos. E toda a comemoração é merecida sim, como já falei, trata-se de uma conquista e já estamos sob sua influência: #lovewins.

Sobre quem está reclamando, tentando minimizar a importância dessa vitória - porque né, existe a fome - são as mesmas vozes homofóbicas, fundamentalistas, carregadas de ódio, que acham que homossexuais são pessoas dementes, criminosas e pecadoras. São pessoas que acreditam que a sexualidade e a identificação de gênero são opções. Eu não discuto com gente assim. Mas infelizmente, tenho que conviver com algumas. E depois me perguntam como eu suporto viver com uma dezena de gatos. Gatos são criaturas adoráveis (como cachorros), que não odeiam ninguém por condição sexual e identificação de gênero.

Não me recordo de nenhuma fase da minha vida em que cultivei a menor homofobia. Sou heterossexual, criada por uma família bem tradicional aos moldes latinos e nordestinos; meu pai era um militar comunista, ou seja, machista. Mas não cresci numa casa em que se falava que gay tem que morrer. Metade da minha infância meus pais brigaram, e a outra, meu pai estava doente, até vir a morrer. Na adolescência, na década de 90, meus ídolos eram gays e a primeira voz da mídia a gritar contra a homofobia, Madonna, foi minha primeira grande inspiração.

Mas houve um fato na adolescência que me marcou para o resto da vida, que foi a morte da minha prima Paula, que nasceu Paulo, que foi expulsa de casa por ser travesti (na época ainda não entendíamos a condição transgênero). Paula lutou muito, sofreu muito, até ficar doente e ser tratada pelas amigas, também travestis. Quando morreu, a "família", que deixou Paula de lado por tantos anos, num último ato de desrespeito, vestiu Paula de homem para o velório: cortou seu cabelo comprido, não fez a barba, já crescida dos dias na UTI e lhe vestiram com roupas masculinas. Lembro-me especialmente das lágrimas de suas amigas e da indignação. Eu só tinha 14 anos, mas aquilo me doeu tanto, que chorei com elas, e fiquei ao lado delas, apesar dos protestos da "família".

Não, eu nunca fui homofóbica, nunca senti que havia nada de errado com homossexuais, só por serem homossexuais. Mas a indignação e a dor perante tudo o que passam, eu entendi e carrego comigo faz 24 anos, desde o enterro da Paula. Apesar de que parece que vivemos um período mais leve, acredito que pouco ou nada mudou dentro das pessoas. Existem tantas Paulas por aí. Não, o que mudou de verdade é que as minorias não querem mais calar e se esconder.

Mas sigamos, quem sabe um dia o amor vence de verdade, porque ele ainda não venceu.

Inté

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