segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Christiane F. 13 anos, Drogada, Prostituída e que eu roubei



Como hoje está sendo um dia muito estranho, silencioso, de um sol morno, nada comum para Fortaleza, fiquei aqui revisitando minhas lembranças sobre David Bowie. E me ocorreu que meu primeiro contato com a música e a persona David Bowie foi o filme Christiane F., que assisti na escola, num dos sábados no cinema, organizado pela professora de História, que conseguiu convencer a direção a nos deixar assistir o filme, muito polêmico por conta da imagética seca e crua sobre drogas e ao que elas levam, mas essencial para conscientizar as pessoinhas da minha idade.

E não gostei muito do filme, que eu assisti com 14 anos, porque já tinha lido o livro um pouco antes, quando tinha 12 anos, e o livro é bem mais intenso, digamos assim. Acho que nasceu justamente com ele, a antipatia que tenho por adaptações cinematográficas de livros que amo. Só anos depois, estudando Letras, é que entendi que não se deve cobrar de uma estética características da outra, que tudo é um processo de tradução de uma linguagem para outra, e como o nome sugere, é necessário que se faça adaptações, porque as estéticas são diferentes.



Mas então, a história é pesada, tem uma narrativa super forte e sem melindres ou eufemismos, bem ao estilo alemão. Em várias passagens vem a ânsia de vômito, o embrulho, como se estivéssemos sob efeito de drogas, até o ponto de viciar. E eu fiquei viciada no livro, sei trechos de cor até hoje. E a minha estória com esse livro é muito inusual, porque eu resgatei uma edição (que foi por anos a minha edição) do lixo.

Minha mãe e eu tínhamos ido à costureira para encomendar nossos habituais vestidos para a missa de natal, 1989. A costureira, Dona Tereza, estava no meio de uma briga com a filha, uns 5 anos mais velha do que eu, justamente por conta do "livro imoral", que ela não queria dentro de casa, que se tratava exatamente de Christiane F. E jogou o "livro imoral" no lixo, que estava na entrada da casa, na calçada. Um livro no lixo? Um livro imoral no lixo? Eu precisava dele! A filha chorando no quarto aos berros, as duas senhoras conversando sobre os babados ridículos que seriam plissados nos malditos vestidos e eu, dissimuladamente, escapuli pra rua e resgatei o livro, uma edição similar a essa que ilustra a postagem. Lembro que meu rosto ardia, as mãos em orvalhos nervosos (e se minha mãe me pega com o livro imoral?). Pudor por "roubar" o livro da dona, que sofria tanto? Nenhum. E o escondi sob a roupa até chegar em casa. Escondi o livro na mochila da escola, que minha mãe nunca olhava. E li esse livro desesperadamente. E ele não tinha fim, um desfecho. E aquilo me enlouquecia. Tratava-se de um relato, uma biografia muito chocante da realidade terrível de uma adolescente alemã quase da minha idade, que se prostituiu para comprar heroína. 

Anos depois eu descobri que tudo nasceu por conta do processo contra um porco alemão de 50 anos, julgado num tribunal de Berlim sob acusação de ter mantido relações sexuais com menores. Uma das principais testemunhas foi essa garota de 15 anos, justamente Christiane. No mesmo tribunal se encontrava Horst Rieck, jornalista da revista STERN, que estava escrevendo uma história sobre  o estilo de vida dos jovens da Alemanha. Apesar de Christiane se recusar a dar provas contra o acusado, seu depoimento fascinou Rieck, que pediu para entrevistá-la e dessa entrevista-depoimento, nasceu o livro, de 1978, e o filme de 1981 com trilha de David Bowie, inclusive Heroes. Bowie inclusive aparece no filme interpretando a ele mesmo.

Coisas que a gente lembra numa segunda inusual.

Inté.

4 comentários :

  1. só pra dizer que amei essa história e estou lendo cristiane f pela primeira vez na vida, aos 32.

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  2. também foi meu primeiro contato com Bowie, através desse filme... <3

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Sejam educados, seus lindos!

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