terça-feira, 23 de maio de 2017

Prometheus



A lenda de Prometheus fala do defensor da humanidade, conhecido por sua astuta inteligência, responsável por roubar o fogo de Héstia e o dar aos mortais. Zeus (que temia que os mortais ficassem tão poderosos quanto os próprios deuses) teria então punido-o por este crime, deixando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade, enquanto uma grande águia comia todo dia seu fígado, que se regenerava no dia seguinte.

Ainda impactada por Alien: Covenant, venho aqui para deixar uma resenha que há muito deveria ter feito, sobre o filme Prometheus. Ao contrario da maioria da audiência, eu simplesmente amei Prometheus. Infelizmente, não assisti no cinema, como fiz com Covenant, mas assisti tão logo estreou nas tvs por assinatura. A expectativa era imensa e não me decepcionou.

Era 2013, um ano horrível em minha vida, quando assisti o retorno de Ridley Scott à franquia Alien, confesso que fiquei completamente chocada. Não pela polêmica envolvendo a qualidade do filme, que julgo muito bom aliás, mas sim pela insanidade apresentada em cenas basilares da obra, como a sequência da cesariana. Era, para mim, a ficção científica mais pessimista acerca da exploração especial que eu já tinha visto na vida e, provavelmente, continua a ser até hoje. Aliás, toda a franquia Alien meio que nos deixa com aquela certezinha de que, se um dia conseguirmos ganhar o espaço, faremos alguma idiotice colossal, tipo, fazer contato com uma outra espécie inteligente. Aliás, vez ou outra, tenho pesadelos com isso, e lá está o xenomorfo criado por H.Ginger.

A essência filosófica de Jon Spaihts ainda sobrevive aos equívocos do co-roteirista, que até que se resolvem com facilidade. Na trama, acompanhamos a descoberta de um casal de arqueólogos, Shaw e Holloway, sobre uma constelação que na verdade se trata de um sistema solar com uma lua capaz de abrigar vida, LV 223. Financiados pelo magnata Peter Weyland, o casal participa de uma missão exploratória com diversos outros cientistas renomados a borda da nave de luxo Prometheus, em jornada até o misterioso planeta, em busca de respostas sobre o envolvimento de alienígenas com a nossa história. Porém, ao chegar lá, uma caixa de pandora é aberta, e as coisas rapidamente vão de mal a pior. 

 Prometheus é um filme que te desafia a todo momento. E, justamente por isso, é bem possível que seja falho pra muita gente. Quando tinha assistido pela primeira vez, consegui captar muitas coisas propostas na discussão filosófica existencial da obra, porém, para muitos outros, Prometheus havia se tornado uma experiência confusa e perdida. Em certo ponto, entendo perfeitamente. O melhor exemplo dessa confusão está concentrada na sequência de abertura, que poderia ter se resolvido com pouco esforço: inserir uma breve legenda “Terra, 3.2 bilhões de anos a.C.”. Nesse ponto, ficaria mais claro que o Engenheiro (que um colega chama de "bebezão de fralda", ao que eu tive que corrigir, que se trata de uma referência às cabeças da Ilha de Páscoa) em auto-sacríficio, estivesse criando toda a vida terrestre ao ingerir a gosma preta e alterar seu DNA. Essa sequência é até mesmo revisada na edição em blu-ray, adicionando alguns outros anciões, deixando evidente que o processo se trata de um ritual daquela raça. 

Logo após, a narrativa segue para um breve apanhado do cotidiano da melhor personagem do filme: o replicante David. Ao contrário dos outros longas, já sabemos claramente que David não é humano, algo extremamente necessário para todo o seu desenvolvimento. Nesse termo, David é bem escrito, não somente por suas falas ou ações, mas pelo conjunto total da obra, do atrito de seus pensamentos disfarçados pelo cinismo em diálogos com os humanos que o tratam mal, assim que acordam da hibernação. Nessa ligeira rotina, vemos David estudando línguas mortas para se comunicar com os alienígenas, com base nas imagens das antigas civilizações que possivelmente entraram em contato com eles, aproveitando as regalias da nave, mantendo sua boa aparência, revelando sentimentos abstratos de vaidade, assistindo a Lawrence da Arábia (passagem importante que define a motivação dos meios utilizados para David atingir seus fins), entre outras atividades. Fassbender, excepcional, mantém expressões tranquilas e alegres, dando a entender o quanto David gosta de seu tempo sozinho, mantendo a nave em ordem até a chegada ao planeta. Seu olhar para o destino da viagem já revela grandes expectativas em relação aquilo tudo. Até que, nesse exato momento, a tripulação acorda subjugando novamente David como mero servo dos viajantes. 

Logo, há esse conflito de um robô (androide, replicante) cercado de mistério. Não sabíamos ainda que ele era senciente, já que Fassbender sempre declama suas falas com enorme sarcasmo, como se estivesse mentindo ou tirando um sarro cruel com os humanos. Rapidamente, já fica explícito que o personagem se sente superior aos seus criadores, afinal, por que não seria? Além de ser imortal, consegue fazer tudo melhor e mais rápido do que seus colegas humanos. E a aversão destes com David acaba potencializando a criação de um inimigo a bordo. Mas por que é tão importante sacar a essência de David para entender Prometheus? Simples, Prometheus não se trata apenas de mais uma incursão na franquia para explicar o Space Jockey, mas sim um filme de estudo filosófico da origem da humanidade. A presença do androide junto aos humanos colabora para o impacto da mensagem final coerente com todo o pessimismo apresentado até então. Todo o propósito da trama gira nesse sentimento de descoberta da razão da origem do ser humano. É através de David que o espectador recebe as catarses da equipe. 

Daí vem o recheio do filme, com toda a estupidez em erros suscetivos das demais personagens, incluindo a doce Elizabeth Shaw, ingenua de mais. Depois de Shaw remover a trilobita e Fifield ressurgir como um maníaco zumbi, Lindelof insere a presença do velho Weyland, que todos julgavam morto, o criador de david e financiador da viagem de Prometheus. Como dizem os adolescentes dessa geração, uma grande plot twist do texto. O choque da presença de Weyland é anêmico, mas ajuda a delinear a mensagem do filme e a construção de David. Isso se dá durante o despertar do Engenheiro. Até ali, a sucessão das descobertas e presunções da equipe indicam que LV-223 é uma base militar, e que a Juggernaut iria para a Terra a fim de destruir toda a vida do planeta. A abordagem não violenta do Engenheiro no começo já dá indícios do que aconteceria: Os Engenheiros nos odeiam e querem a nossa morte. Ao ver que os humanos continuam pequenos desejando poder e disseminando violência contra os mais fracos, o gigantesco alienígena decide seguir em sua missão de dizimar a vida terrestre. Novamente, é uma especulação oferecida pelos personagens no filme. Desse modo Prometheus afirma categoricamente pouquíssimas coisas, preferindo deixar muitas explicações a cargo do espectador: a tumba, das armas químicas, do motivo dos Engenheiros decidirem destruir a humanidade, dos murais com xenomorfos esculpidos (oi?), sobre quantos efeitos o mesmo mutagênico pode ter, das tumbas remanescentes do LV 223, do que os Engenheiros estavam correndo e assim por diante. São muitas questões não resolvidas que podem fazer parte da experiência do filme em transpor a frustração dos personagens diretamente no espectador. 

Os mistérios realmente prendem sua atenção e a curiosidade do espectador é representada pela curiosidade dos personagens elaborando uma relação na qual nós nos encontramos como o David: aguardando para ver qual será a próxima desgraça biológica que ocorrerá com a tripulação. Logo, tirando o mérito sádico de lado, o roteiro se torna bastante divertido. Mas concluindo toda essa discussão sobre David, nos momentos finais de Weyland, o magnata sussurra que “não há nada”. E David responde “eu sei”. Esse breve diálogo infere que o androide tenha consciência e, como um ser criado pelo homem, já sabe que não há propósito algum por essa busca aos ‘deuses’, afinal, a razão de sua criação já exposta em diálogo anterior. Não há significado maior para a vida em Prometheus. Ou seja, tudo o que vivemos e experimentamos é arbitrário.

Há alguns toques que abordam a religião dentro do texto do filme. Centrar a narrativa durante o Natal é uma jogada inteligente, já que a descoberta da criação humana basicamente desconstrói todo o significado dos feriados religiosos. É por meio de Shaw, cristã, que o roteirista tenta trabalhar esse tema. O principal é sobre a infertilidade que é revertida para dar origem a criatura monstruosa parida na cena da cesárea. Nisso, novamente há elementos que tocam o tema da criação. Como uma mulher que caminha com o sagrado, dá origem a uma criatura vulgar e maligna? Seu milagre vem da profanidade da ciência e não da benevolência de um divino. E é justamente por seu espírito e fé não se quebrarem, que David demonstra fascínio pelo ser humano pela primeira vez (isso é bem breve e ocorre no desfecho do filme). Para estabelecer essa fé, há um breve flashback, mostrando a infância da personagem se deparando com morte e religião. O problema é que isso é abordado tão brevemente que acaba esquecido até o fim do filme. Logo, mais uma vez fica a critério do espectador encher o filme de significados complexos. 

 Não há como não se lembrar de 2001 (Stanley Kubrick), pois consegue levantar os questionamentos certos para o público refletir durante e após a sessão. Até onde vale a pena explorar o desconhecido? Qual é o motivo da nossa existência e para que precisamos tanto descobrir de onde viemos? Quais as consequências para a humanidade após descobrir vida inteligente no universo? Mesmo com essas ótimas perguntas que conseguem afetar o espectador e trazendo um visual apurado, bom elenco, ótima cinematografia aliada a um Ridley Scott cada vez mais cruel e visceral com a ficção científica, é impossível pra mim não avaliar Prometheus como fantástico. 

Amanhã. Covenant.






  



Inté.

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