sábado, 24 de fevereiro de 2018

A Forma da Água e os monstros perfeitos



De longe, é o meu favorito dos indicados ao Oscar, apesar de que já sei, não vai ganhar nada, ou quase nada. Inclusive, já ronda por aí acusação de plágio coisa e tal. Bem, o tempo e as provas (ou não) dirão se é ou não fruto da cópia safada do criativo de outra persona. Mas o filme é uma óbvia homenagem ao clássico o Monstro do Lago, mais na perspectiva do monstro. O que sei, neste momento, é que me encontro completamente arrebatada, eu que sempre me chamei de Monstro da Lagoa do Opaia.

Como Del Toro, eu também fui e sou salva, todos os dias, pelos monstros das histórias que me foram contadas, dos filmes que assisti, dos livros que li, dos que invento e escondo.

De formas diferentes, Guillermo Del Toro sempre me agrada, sendo com o trash assistível de sua versão de Blade, decerto com seus filmes mais antigos, como Espinha do Diabo, Labirinto do Fauno, ou com meu filme de super herói favorito, HellBoy (I e II). Porque Del Toro mexe com o meu fascínio pelo fantástico e sombrio, os monstros, como ele mesmo disse no seu discurso no Globo de Ouro deste ano, "santos patronos das nossas imperfeições".

A Forma da Água é uma singular fábula política em que vemos Del Toro nos mostrando além desse mundo real esquisito em que vivemos, onde ódio e cinismo são considerados inteligentes e se você fala de sentimentos parece um idiota. Na Forma da Água, a emoção é o antídoto, é o novo punk, pra quem ama punk, como eu. É um filme apaixonado pelo amor e pelo cinema. E pra narrar seu enredo,  imaginou um conto de fadas bem peculiar, em que uma faxineira muda vive um cotidiano que parece comum, mas não é, é apenas repetitivo. Até que, nas instalações onde trabalha, os serviços secretos prendem uma criatura aquática. Entre os dois excluídos surge um feitiço sem palavras, feito de química e olhares, onde o monstro por uma vez se torna o herói. Aí ele cria um filme que é político, mas obliquamente, não frontalmente, porque ver é o ato supremo de amor. Se eu vejo você, garanto a sua existência. A ideologia pretende negá-lo, transformá-lo em uma coisa: um judeu, um mexicano, um pária qualquer. E Sally Hawkins, nossa faxineira muda, preenche o papel com seus olhos e seus gestos.

O fato é que esta criatura mexicana que fisicamente se assemelha a outra obsessão minha, Totoro, é uma espécie de outsider muito comercial para o modo artista e muito artístico para o modo comercial. É um milagre que tenha conseguido fazer o cinema que queria. Que sorte pra mim, sua fã devotada, que lia histórias de vampiros debaixo das cobertas. 

O pai de tantos monstros parece temer outras coisas, os monstros reais, nossa política atual. Estamos em um momento único, porque nunca vivemos além dos acordos que nos mantêm juntos. A civilização depende de regras imaginárias, mas as respeitamos para funcionar. Um país nunca se cura de uma guerra civil, seja a Espanha ou os EUA, como está sendo demonstrado. Só nos resta recorrermos em nossas orações hereges aos monstros, que pra mim, não são imperfeitos.

Inté.

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