quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Precisamos falar sobre Kevin. Mesmo?

Esta publicação é originalmente do meu antigo blog Reverbera, querida!, tomei a liberdade de publicá-la aqui, porque né, o texto é de minha autoria.



Agradeço por ter adquirido o hábito de nuncanunquinha me informar de nada acerca de livros e filmes que realmente precisam ser entendidos. Um caso típico de obra que precisa ser entendida é justamente 'Precisamos falar sobre Kevin'. Não pela profundeza, longe disso, mas pelo o que realmente é, portanto, o que não é. 

A capa, um menino com cabeça de gato maquiavélico, cínico, dissimulado, perverso fala pela trama: uma caricatura. Porque desculpa, associar felinos ao maquiavélico, cínico, dissimulado, perverso é um clichê sem tamanho. 

 De pronto super me incomodou o oba-oba acerca do livro. Como de costume. Dai fui evitando ler qualquer coisa sobre o livro e fui descobir do que se tratava a conversa sobre Kevin (que existe apenas num plano metafórico de cartas a um defunto) e confirmar que meu abuso de novo era justificado. É um livro para o gosto dos impressionáveis, de um público que cada vez mais (ou desde sempre) flerta com caricaturas criadas a partir da suposta desconstrução de símbolos: na obra o mito da mãe que nunca quis ser mãe e da criança que não é boa. Sim, tem lá a coisa do "tema que ninguém quis tratar", dos adolescentes psicopatas e chacinas em escolas americanas. Só que já foi tratado sim, de forma menos literal. Um exemplo peculiar é 'Carry, A Estranha' de Stephen King, brilhantemente adaptado por Brian De Palma. De outra forma, de outra leitura, falando sobre jovens psicóticos, com uma abordagem mais difícil e mais artística, Laranja Mecânca de Anthony Burgess, adaptado para o cinema pelo maravilhoso, genial e verdadeiramente perverso Kubrick. 

 Só que né, infelizmente, faz tempo que o campo é fértil para o óbvio. Porque pra fazer bruburinho tem que ser ser um menino 'estranhozinho', notoriamente 'diabóliquinho', que manipula a todos em fraldas sujas, envolvendo uma figura de mãe irresponsável, permissiva e fria até o clímax da história, a chacina que começa em casa e termina na escola. Baseado, aliás, num livro de sua infância, Robin Wood.

 A coisa do enredo desposto em cartas é recurso antigo para manter o leitor no clima de voyerismo. Eu mesma compro muitos livros de correspondências de autores queridos, porque é bom xeretar na vida alheia - vide a camisa "Big Brother" em letras vermelhas que Kevin usa ao receber a irmãzinha recém nascida no filme (que é hábito americano, mas nos remete direto ao 1984, não tem como, recurso funcional, porém de base fraquinha, que nem alface da xepa). E como tem vermelho no filme. E tomates vermelhas. O nome poderia ser Tomates Assassinas, se já não houvesse filme com tal epíteto (aquele filme fantástico com o Clooney). Aliás o vermelho é quase que um outro personagem da história: tomates, pelúcias os ataques à casa de Eva, mãe de Kevin, assinalando suas mãos manchadas de sangue pela omissão, pela falha enquanto mãe, oh céus, blablabla. 

 No filme a coisa do óbvio não foi bem resolvida e nem teria como, pois a história é óbvia e clichê. Contudo, a disposição do enredo, doutra feita que não uma narrativa em carta, mas sim em flashes, dá outro ritmo à trama, um ritmo cinematográfico, que ajuda a história a se sobrepor a coisa do livro teoricamente sem clichês, que na verdade é só isso. 

 Entendam, Kevin não é um assassino ficcional mais complexo por conta de sua aparente delicadeza, boniteza, por suas roupas lânguidas, quase poeris, porque não é rejeitado, nem marginalizado, tampouco excluído. Ora, esse é o perfil da maioria dos psicopatas, inclusive o ficcional Hannibal Lecter. E Eva? O que pensar de Eva banhada de tomates (ou esmurrada, xingada, perseguida, que não tem direito a um omelete decente), metáfora pobre do que viria a merecer a tal da mãe que não quer ser mãe? 

 O brinde de literariedade da obra ficou por conta da coisa Robin Wood, definitivamente inverossímil. O que é um alento, porque literatura não deve nada à realidade. As musas das artes agradecerão em cânticos no dia em que entenderem isso, coisa difícil, em tempos que professor leva livrinho de auto-ajuda em aula de literatura para ser apreciado como "literatura" em sala de aula.

 Boa sopa de tomate para todos. 

Inté.

p.s.: escrevi o post faz dois anos. hoje em dia gosto um pouco mais do livro. e gosto muito muito mais do filme :).

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