Acordei num susto com um trovão logo cedo. Trovão que não ouvia desde o Rio de Janeiro. Um ano. Acordei feliz com o dia bonito de chuva, mas com uma certa inquietação, porque haveria de sair. E saí. Como sou transeunte de fé - professora pobre sem carro - saí a pé com Yan a tiracolo. E logologo me vi tomada por uma certa irritação, não súbita, porque decerto vivo irritada. É que finjo ser calma e finjo tão bem que todos acreditam. Mas a irritação não deixa de ser motivada e ainda, ter sido atiçada, pelo cansaço associado a certos fatores hormonais.
E eis que essa minha irritação, legítima, motivada, atiçada, me deixa cítrica lima da pérsia, irônica machadiana e sem muita censura verbal, que adquiri aos poucos, ao longo da vida. O que nos leva a uma predisposição ao conflito.
E choveu. Choveu em cântaros de ninfa robusta com melenas trançadas.
É cedocedo, quase madrugada e a agência do banco só abriria por volta das 8. Para o mundo funcional era madrugada. E chovia. Yan e eu amoados debaixo do guarda-chuva estrelado, feito em algum lugar obscuro da Ásia. Gente proferindo afirmações soltas sobre a deselegância da Presidenta, e como São Paulo merece morrer de sede, dentre outras idiotices. E daí que o diabinho que habita meu ombro direito (meu diabo particular é destro. meu anjo é gauche) me impele a responder bem atrevida para aquelas pessoas mal vestidas em bermudas caquis e sandálias plataformas de dedos de fora que procurassem um espelho e um copo d'água. Mas o banco abriu e tudo se arrefeceu.
Enfim chegamos em casa, após atravessar o dilúvio. Kelly com o juízo preso num coque, ajeitava na cozinha seus bolinhos Sakura de queijo, batata e verduras. Frito na canola. E a gente come e reza, em conjecturas. E aí percebo que a irritação se foi. Não sei ao certo se lavada e levada na chuva. Ou que se aquietou por conta do bolinho Sakura da Kelly.
Bisous.
Imagem: Martine Franck, Magnum photographer and wife of Henri Cartier-Bresson.

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