domingo, 18 de janeiro de 2015

Curso de Letras ♥



Faltam algumas horas para o Sisu 2015 abrir suas inscrições e me ocorreu, agora de véspera, que prometi faz um tempo, uma postagem sobre o curso de Letras. Fora que ao longo do ano passado, alguns alunos me perguntaram sobre o curso. É que não gosto de fazer alarde, não preciso espalhar para os quatro cantos que, de alguma forma, influenciei a escolha profissional dos meus alunos. Também não preciso me vangloriar por uma nota alta no Enem de algum aluno meu na prova de códigos, especialmente se o aluno já é excepcional por si só. O mérito é todo do aluno, para mim basta a alegria. Mas tem uns colegas que querem conquistar o lugar no grito, sei lá.

Vamos lá, o curso de Letras. 

Eu cursei Letras na Universidade Federal do Ceará (UFC), há duzentos milhões de anos atrás, turma de 2003. O Enem era então a primeira fase da UFC, a prova era bem diferente, mas já igualmente cansativa. Os resultados eram dados em percentual. E tinha a prova da UFC, que eu confesso, sinto aquela saudade, que a gente sente de rua de paralelepípedo, que tem lá seu romantismo, mas na verdade é uma desgraça. Pois é, eu sei que os modelos dos agora quase antigos vestibulares eram equivocados, onde só cabia a decoreba com pouco ou nenhum espaço para a reflexão. Eu sei de tudo isso, mas sinto falta da lista de livros da prova de língua portuguesa. Então, não é de se estranhar que a prova de códigos e linguagens não dá espaço para a gramática normativa, mas sim para a reflexão sobre o uso da língua, questões de apreciação estética e interpretação. 

Dia desses, numa discussão com uma colega professora de português como eu, mas com uma formação profundamente diferente, eu afirmava que não havia espaço para gramática normativa no Enem, ela meio que se aborreceu comigo e perguntou o porquê de não estarmos desempregadas então. Bem, se a persona padecer de pouca ou pobre formação linguística, é bom que procure estudar  e acompanhar as mudanças, do contrário mude de profissão, porque as coisas estão mudando. No meu caso, estou sempre estudando e procurando me informar sobre a minha área: livros, textos, autores. Fora a formação quase impecável que o curso de Letras da UFC me forneceu. 

Mas vamos lá. O curso se estrutura assim: língua portuguesa e literatura (tem a língua estrangeira para quem faz habilitação em inglês francês, etcetera). O estudante de Letras da UFC vai entender a língua portuguesa mediante os conceitos linguísticos (e existem várias linhas). Na minha época, o curso ainda era bastante estruturalista, olhando de soslaio para a linguística de texto e a análise do discurso. E isso foi profundamente enriquecedor para minha formação. Lembro como hoje, numa das primeiras aulas de Introdução à linguística, a Profa. Hebe Macedo afirmando que a gramática estava equivocada; como aquilo foi impactante e libertador. Então, se você acredita que no curso de Letras você vai estudar análise morfossintática do jeito que está na sua gramática do ensino médio, não, você não vai. Você será convidado a refletir sobre a morfologia, a morfossintaxe, a sintaxe, sobre história da língua numa perspectiva linguística, como ciência. E isso é lindo. Não consigo levar a sério um curso de Letras em que não se estude linguística. O que adianta se repetir num curso universitário que uma substantiva subjetiva tem função de sujeito em vez de refletir sobre o processo de subordinação das subordinadas substantivas? Isso é conteúdo de ensino médio.

Já na literatura também desistam dessa coisa das datas, dos autores e das escolas literárias. Sim, até que a gente vê, com a ajuda do Alfredo Bosi por exemplo, mas os estudos literários no curso de Letras vão além. Parte essencial do curso é para desenvolver o olhar crítico, orientado por autores que vão do Antonio Candido ao Adorno. 

Dinheiro. De novo citarei a Profa. Hebe Macedo (musa) que nos avisava logo, quem almejava a riqueza estava no curso errado. O curso de Letras da UFC é uma licenciatura, ou seja, é um curso de formação de professores e professor, via de regra, não fica rico. Mas pode sim viver com dignidade. Começo de carreira é difícil para a maioria, porque é preciso exercer a profissão em jornadas longas, em escolas com hora aula baixa e às vezes mais de uma escola para conseguir se manter. E ainda é preciso indicação, porque a maioria das escolas particulares só contrata assim. Entre dois e quatro anos de experiência, já se pode encarar um concurso para professor efetivo de uma escola técnica ou da rede pública comum. Os salários não são altos, contudo pagam sim melhor do que a maioria das escolas particulares numa jornada de 40 h semanais. Fora a establidade.

Conselho. Durante o curso, entre para um grupo de pesquisa da área que tenha mais afinidade, linguística ou literatura. Mesmo que não consiga uma bolsa, seja ouvinte. É nos grupos de pesquisa que você encontrará o caminho mais fácil para uma pós-graduação, mestrado para começar. Isso enriquece o seu currículo (enriquece como pessoa também) e aumenta o seu salário num concurso público. Adendo: as escolas particulares não dão a mínima para o seu diploma de mestre, tampouco de doutor. Porém, as faculdades particulares ligam sim para o seu diploma de pós-graduação, mas também só contratam por indicação.

A melhor coisa do curso de Letras: o acesso a todo um mundo novo de conhecimentos. 

Sim, o curso se divide, como expliquei, quase numa metáfora para a dicotomia sausssureana (Língua x Fala), linguística x literatura. mas somos apresentados a muito mais. Filosofia, sociologia, as disciplinas de história da arte estão do outro lado da Avenida da Universidade, pode assistir como ouvinte (eu fiz isso). A Casa Amarela e todo o seu mundo de audio-visual está no outro quarteirão. E tenho certeza que em outros cursos de Letras pelo país, a interdisciplinaridade se faz presente.  

Não é à toa que Letras é um dos cursos mais antigos. O curso de Letras da Sorbonne tem a idade da universidade, cerca de 800 anos. Óbvio que o curso mudou sensivelmente, no começo não existia a linguística. Aristóteles, em sua Poética Clássica, alguns mil anos atrás, já falava da ciência sem nome, que investigava a poesia. Como afirmei, é um curso enriquecedor, que faz parte da história dos estudos acadêmicos pelo mundo. 

No Brasil é muito desprezado e padece de um certo problema: a maioria dos alunos tranqueira escolhe Letras, pois não passam para outro curso. Ah, fora os familiares profetas do mal que sentenciarão que você morrerá de fome, porque fez Letras. Olha, eu ainda não morri de fome. Fiz, algumas escolhas erradas, que não foram em absoluto culpa do curso. Tenho conhecidos com formação em Letras, pós-graduados, recebendo salários consideráveis, que lhes possibilitam uma vida confortável e com alguns mimos, tipo viajar frequentemente.

Ah, uma vez formado (e pós-graduado) em Letras você pode praticar seus conhecimentos em outras áreas, em jornais e revistas como revisor, que eu particularmente acho lindo.

P.S.: A escrita desse texto tem um outro significado, mas só conto depois. Se eu decidir contar rs.

As dez melhores graduações de Letras do país

Universidade Federal da Bahia (UFBA) 
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 
Universidade Estadual Paulista (Unesp) 
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) 
Universidade Presbiteriana Mackenzie (Mackenzie) 
Universidade de São Paulo (USP)

Onde fica o curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC)? Salvo engano, em 11ª. Com certeza entre os 20 melhores

Bisous.

Imagens: Fernando Pessoa que cursou Letras, mas abandonou o curso, porque né, pois é.

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