quarta-feira, 22 de abril de 2015

A Paixão e os Laços de Clarice Lispector



Perto do Coração Selvagem é o romance que inicia a carreira de Clarice, publicado em dezembro de 1943. Apesar da boa recepção da crítica, premiado e tudo, houve um certo levante de vozes, ao começar pelo o "epíteto" da autora, Clarice Lispector: "essa autora de nome desagradável". Mal sabia o crítico em questão que era o nome da Clarice mesmo. Isto é citado naquela entrevista, famosa, a última entrevista de Clarice.

 O livro é sobre Joana, que narra sua história em dois planos, a infância e o início de sua vida adulta, através de uma fusão temporal entre o presente e o passado. O interessante e extraordinário é a geografia interior de Joana. Aquela coisa da revelação que permeia todos os escritos da Clarice, porque viver é revelar-se, ainda que seja para si mesmo. Deixar-se ser.

 Há quem diga que o título é uma referência à epígrafe de James Joyce ("Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida"), que ela, obviamente negava.



Laços de Família e suas 13 narrativas encontramos temas recorrentes, que explicam o título do conjunto os conflitos da vida familiar e suas implicações sentimentais - ressentimentos, incertezas, amores, desconfianças, segredos e os planos de felicidade.  

Em Devaneio e Embriaguez de uma Rapariga uma mulher (uma portuguesa moradora do Rio) que deixa de lado seus afazeres; O Amor, uma dona de casa que se aflige quando fica sozinha em casa, longe do marido e dos filhos: sua vida interior, seus sentimentos verdadeiros, surgem quando ela se depara com um cego em um bonde; Em Uma galinha, a protagonista é a ave que, invariavelmente, está na mesa dos brasileiros aos domingos. Ela foge do abate para não virar o almoço de domingo de uma família e, ao botar um ovo e chocá-lo na fuga, é poupada temporariamente e se torna respeitada (?); A Imitação da Rosa, a insegurança e a fragilidade extrema de Laura, que hesita em enviar um buquê de rosas a uma amiga e reflete profundamente sobre este ato; Feliz Aniversário, uma mulher de 89 anos no dia do seu aniversário lamenta a mediocridade e as convenções da família e aguarda a morte; A Menor Mulher do Mundo as observações de um pesquisador francês sobre uma pigméia grávida; O Jantar, um homem que vê outro comendo em um restaurante e descreve suas sensações;  Preciosidade, uma menina de 15 anos que, antes fechada e avessa às pessoas, muda bruscamente de comportamento; Laços de Família, a distância e a frieza entre mãe e filha, genro e sogra e pai e filho em uma família típica; Começos de Uma Fortuna, a preocupação de um garoto em empregar seu dinheiro para enriquecer e sua conversa com o pai;  Mistério em São Cristóvão, as visões de uma menina depois de um jantar em família; O Crime do Professor de Matemática, um homem que é convencido pela família a abandonar seu cachorro quando tem de mudar de cidade; O Búfalo, uma mulher que, depois de ser deixada por alguém, tenta encontrar o ódio no olhar de algum animal no zoológico, mas reconhece apenas o amor neles em plena primavera - ela estaria presa, e os animais, livres.

 O que une esses contos, além de relações familiares, além dos momentos de catarse é a coisa que a crítica clariceana chamou de "o instante decisivo", que é o momento em que o personagem se encontra com a razão da própria existência e enfrenta a necessidade de uma mudança abrupta de ação ou de pensamento. 

Leiam Clarice.

Inté.

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