quarta-feira, 30 de março de 2016

Resenha - The Witch, a New England folktale



Alerta de spoiler: leia por sua conta e risco.

Ainda estou meio tonta com tudo o que presenciei no filme The Witch, ou A Bruxa, em português, e Stephen King não poderia estar mais correto quando afirmou em sua conta no Twitter que se tratava de um filme perturbador. E é. E que precisa de uma certa sensibilidade, ou melhor, leitura mesmo para conseguir entender. Há de ter se lido muito Poe, Lovecraft, o próprio King, e, os contos de fadas das versões de Perrault, as mais assustadores, em que trolls e bruxas devoram criancinhas. Literalmente. E não só ter lido, mas ter entendido todo o terror na essência de todas essas histórias.

Uma dica: se a pessoa odiou O Anticristo do Von Trier, odiará The Witch, porque não são filmes para quem acredita que terror é sempre banho de sangue adolescente, etcetera coisa e tal. Os dois filmes são profundamente diferentes no meu ponto de vista, mas com algumas similitudes que me parecem homenagens, não sei ao certo.. Li em algum lugar uma comparação entre eles, que teriam um certo cunho feminista e tal, e na verdade Anticristo foi acusado de misógino. Até eu pensei assim durante um tempo, até macerar as ideias a respeito e constatar que nem tanto o céu, nem tanto a terra, mas de fato é um filme metafórico sobre a demonização da mulher pelas instituições. Mas as bruxas dos dois filmes são diferentes, bem diferentes, The Witch não tem nada disso, e quem viu algo assim, viu chifre em cabeça de cavalo, e eu não estou falando de unicórnios, apesar de que unicórnios têm tudo a ver com contos de fadas e estamos falando aqui de contos de fadas, só que diferentes das versões Disney, mas sim aqueles contos que afastavam as crianças das florestas, e acredito que por isso o subtítulo, a New England Folktale ou Um conto da Nova Inglaterra. 

O filme é muito corajoso, o diretor Roger Eggers foi muito ousado na maneira como trabalhou com certos aspectos tenebrosos dos contos de fadas. Muito ousado mesmo. Não tenho recordação de ter visto nada assim antes, trabalhado de forma tão literal e ao mesmo tempo, utilizando de certa sutileza, na coisa da fotografia e uma linguagem de cinema artístico.

Uma família é expulsa por excesso de fanatismo, ou heresia, e isso dá o tom do filme. Thomasin,  a garota, aparece logo no início pedindo perdão a Deus por todos os seus pecados, ali, à luz da puberdade e com os olhos bem abertos quanto a tudo que acontece na família. Uma vez expulsos, a família vai à procura de um novo lar, um paraíso perto de um bosque (olha o Anticristo aí). E já estamos na cena em que o bebê, irmão caçula de Thomasin, some, durante uma brincadeira de peek-a-boo, levada por alguém de capa vermelha (Chapeuzinho Vermelho). Corta para uma cena onírica, um pesadelo, em que o bebê é acariciado por mãos femininas, que depois o castram (sim)  e daí mulheres banham-se em seu sangue, porque bruxas comem criancinhas. Gente. A partir daí a família desconfia da nossa Thomasin, especialmente a mãe, meio megera.

Caleb, o irmão do meio, aparece abalado com o choro da mãe, Thomasin quase que impávida e os dois irmãos menores gêmeos, duas pestinhas detestáveis que só aprontam e odeiam a irmã. Entre o sofrimento da mãe e outros peculiaridades, como o comportamento bizarro do patriarca e do próprio Caleb, ambos demonstram interesse em Thomasin, tem a cena da floresta. Numa noite, os pais conversam sobre "a venda" de Thomasin, que já é quase mulher, e que portanto já pode ser negociada por mantimentos, o tal do dote para o acordo (ou pacto). Caleb decide caçar para evitar que a irmã seja vendida, a irmã o acompanha, eles se perdem na Floresta (João e Maria) e Caleb encontra com uma mulher sedutora, com atrativos maiores que Thomasin, que o domina e meio que se insinua o que seria uma relação sexual. Lembrando que Caleb tem 12 anos. Outro choque. E Caleb some, dado como morto. E de novo a culpa recai em Thomasin.

Mas Caleb reaparece nu, no meio duma noite, e fica enfermo, prostrado. Num outro dia surta, e começa a repetir frases que parecem desconexas, que lembram um encantamento (de bruxa), todos entram e começa uma bizarrice de mini exorcismo, com uma ladainha, uma reza cristã. Os gêmeos insinuam que não conseguem rezar, acusam Thomasin de ser a bruxa, Caleb começa a repetir a reza, num tom de zombaria, seguido de uma risada e de um orgasmo (sim). E morre. E os gêmeos desmaiam. E é claro que tudo é culpa de Thomasin, que é trancada no arremedo de celeiro com os animais e os gêmeos encapetados (ah, eles estavam fingindo o tempo todo, mas afirmam que ouvem os animais, inclusive o bode preto, Black Philip). E é nesse mesmo celeiro que aparece uma criatura que bebe o leite de uma das cabras (uma bruxa), e as crianças e Thomasin ficam aterrorizadas (e eu também). Enquanto isso, a mãe tem uma visão/sonho com seus dois filhos mortos, Caleb com o bebê no colo, diz para a mãe que ela deve ler o livro (que seria o livro de pacto), e pega seu bebê no colo para amamentar, mas na verdade está amamentando um corvo, e chora. O pacto não é aceito, na verdade, porque o interesse paira sobre outra pessoa. De manhã, o patriarca acorda, a mulher com o seio sangrando, ele sai e se depara com o celeiro destruído, os gêmeos sumiram e só resta Thomasin, que seria agredida pelo pai (antes disso tudo eles travam uma discussão esclarecedora). Mas nossa Thomasin é defendida por Black Philip, que mata a figura paterna. A mãe sai, começa a agredir a filha, mais por recalque do que por medo, ou algo que o valha, e Thomasin mata a figura materna. E nessa parte eu só lembrei do Psicanálise dos Contos de fadas de Bettelheim.

E aí vem o final, a cena do Black Philip andando como um homem, é tudo insinuado, mas sabe-se que é o bode (metáfora do Baphomet), e daí o pacto derradeiro, quando Thomasin se torna A Bruxa.

O filme é isso, um enredo que reproduz o terror das histórias contadas para crianças nas antigas 13 colônias americanas, herança das histórias europeias. O que o torna diferente e perturbador é, como já citado, a ousadia de mostrar como esses contos são terríveis de verdade, sem perlimpimpim da Disney: pedofilia, magia negra, rituais com sacrifício de crianças, a maldade que corrompe os mais puros, tudo ali, escondido na floresta. Sensacional. 

Boo.

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