quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A Garota no Trem



Dia desses assisti A Garota no Trem, acho que estreou faz pouco tempo. Foi um acaso, desses da vida. Dificilmente eu pararia duas horas da minha vida pra assistir um filme desses, só pela propaganda, que soava bem genérica, por sinal. Muito menos pelo resumo fornecido pela canal a cabo, suspense sei lá das quantas. Mas o certo é que parei e assisti. Noite de vento frio, teto rangendo, depois de passar a tarde ouvindo Slowdive.

When the sun hits e Girl on the train tiveram alguns efeitos devastadores e catárticos em mim. Slowdive sempre é devastador. Mas então. O filme (baseado num livro que, adivinhem? Escrito por mulher. De novo.) é surpreendente e este texto conterá spoilers, portanto pare de ler por aqui.

Alguns comparam A Garota no Trem à Garota Exemplar, outro livro que virou filme, um enredo intoxicante sobre um casamento que não deu certo e sua forte crítica ao estereótipo da 'garota que parece legal'. Bem, eu achei  A Garota no Trem diferente, e doloroso, que nem uma nevralgia lá pelas gengivas, coisa de dentina exposta. A gente lida aqui com a dinâmica traiçoeira do casamento e os efeitos destrutivos da misoginia internalizada. No caso, a garota no trem é Rachel, uma mulher solitária, divorciada e alcoólatra, que anda de trem diariamente, indo e voltando para Londres, com a esperança de conseguir esconder sua demissão da colega de apartamento. 

Todos os dias, o trem passa cruelmente pela casa onde ela, uma vez, viveu com seu adorado ex-marido, Tom. Ele ainda mora lá com a atual mulher, que por sinal foi sua amante, e a filha do casal. Rachel direciona seu foco nas casas um pouco mais adiante, onde outro jovem casal mora, e inveja a aparente abençoada parceria dos dois. Certo dia, ela fica chocada com o que vê na casa desse casal, a moça com vida perfeita supostamente traindo o marido perfeito, e logo depois a esposa desaparece (na verdade ela foi assassinada). Rachel, convencida que o evento que testemunhou é relevante, se envolve nessa trama, mas o alcoolismo debilitante e os apagões de memória causados pela bebedeira não permitem que ela seja uma testemunha confiável para as autoridades e até para si mesma. No auge da insanidade, ela procura o marido da moça sumida, e conta que era amiga dela, numa tentativa, talvez, de vivenciar uma vida e um amor que ela apenas imaginou. Nada é o que aparenta.  

A narração de Rachel, muitas vezes difícil de ler, por vermos sua luta com muitas recaídas e como ela se agarra desesperadamente às memórias escondidas na névoa de muitas noites de bebedeira, se alterna com as narrativas das outras duas mulheres da história. Megan, a esposa desaparecida, conta uma história no início, uma que complica o sonho dourado de Rachel sobre sua vida com o seu marido Scott. Compulsivamente desleal, cheia de culpa e perdida, Megan parece ser o problema na família perfeita que o casal poderia ter tido. Anna, a nova esposa de Tom, é um contraste impressionante em relação às outras mulheres; vaidosa, convencida e cheia de si, ela sente falta de ser a amante sexy que era, mas sente-se satisfeita de ter triunfado sobre a rival, a ex-esposa traída e patética. Seu amor pela filha e o medo da imprevisível Rachel dá uma certa intensidade ao seu personagem superficial. No entanto, logo fica claro que os apagões de Rachel e sua memória duvidosa estão escondendo algo mais profundo do que algumas noites irresponsáveis, e começamos a imaginar quem, entre os personagens envolvidos, está a salvo dos segredos escondidos nas brumas da memória de Rachel. 

No final das contas, o adorado ex-marido de Rachel nada tem de adorável. Tudo se revela quando ela encontra com a ex-chefe dele, que lhe revela várias verdades sobre o caráter de Tom, um mulherengo, mal caráter, sórdido e mentiroso. Rachel começa a lembrar de fatos do seu casamento, de agressões, de humilhações e se lembra do momento do túnel, em que viu Tom com a moça desaparecida. Eles eram amantes e foi ele quem a matou, após descobrir que ela estava grávida dele. A cena final pode parecer absurda, mas é uma espécie de recompensa epifânica, com a morte do patife pelas mãos da ex e da atual esposa, quase como num pacto de sororidade.  

Nos meus devaneios, entendi A Garota no Trem como uma gigantesca metáfora, quase alegórica, da vingança feminina, misândrica, sobre todos os canalhas que mentem e nos enganam. Matar é crime, mas a literatura está aí pra isso. O cinema também.

Bisous.

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