domingo, 31 de dezembro de 2017

Surpresa de Abacaxi


Abacaxi é um algo doce, cítrico e pessoal. Aquela beleza ácida. E pessoal, que é uma coisa que eu insisto. É pessoal pra mim, porque minha relação com abacaxi data de muito tempo. 

Eu era uma criança difícil, que não gostava de maçã. Mas amava laranja, ata (fruta do conde), graviola e abacaxi. Também gostava de jambo. Eu vivia comendo flor de jambo. E de flamboyant. Só tomava suco dessas frutas e vivia aperreando o juízo dos pais por elas. Mas o ambiente da minha casa não era dos mais goumets. Meu pai cozinhava como cozinham os militares, com método de quartel. Era comestível, era correto, era saudável, mas sem grandes invenções (a não ser o colorau no arroz). Já minha mãe, cozinhava o básico muito mal, zero criatividade, tampouco inclinação. Acho que meio por conta disso, dessa falta, cresci pra ser a mãe que cozinha. Mas abacaxi não faltava. Era meu consolo das incontáveis tardes do eterno verão cearense. Abacaxi sumarento, doce, cortado em rodelas e guardado na geladeira azul.

A primeira sobremesa que me liguei que era uma sobremesa, que era o pièce de résistance da refeição, foi de abacaxi. A famosa surpresa de abacaxi. Foi na casa dum parente. Após o almoço (carneiro cozido com pirão escaldado e e arroz. eu suando em bicas) veio à mesa a travessa de surpresa de abacaxi, que de tão gelada, parecia ter pernoitado ao relento invernal europeu. Me foi servido num bowl de aço inox, daqueles que todo o subúrbio desse Brasil continental já teve ou ainda tem. E pra mim, acostumada com as porcelanas casca de ovo e os vidros duralex da minha casa, o bowl de aço inox tornava a experiência ainda mais inacreditável. O toque geladíssimo. Numa colherada só, pegar as três camadas. A compota de baixo, com abacaxis apurados no açúcar, o creme do meio, macio, quase um sorvete e por fim, a camada de cima, uma nuvem de claras em neve e creme de leite de lata. Uma a uma, as colheradas derretendo no calor da minha boca de erê, no contraste do gelado da colherinha de sobremesa. 

Ai de mim, como eu quis repetir. Cheguei a pedir, mas me negaram. Negar sobremesa a uma criança, deveria ser o oitavo pecado capital. Mas pouco importava, pois sorrateira, fui à cozinha e roubei uma generosa colherada da sobremesa, que eu mal sabia, seria a última até que mesma aprendesse a fazer. 

Adivinha qual a sobremesa da ceia de ano novo?

Imagem: Em algum lugar do meu Instagram.

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