sábado, 11 de abril de 2015

O Cortiço



Quem me conhece, e conhece minhas preferências literárias, sabe que não tenho grande bem querer pelo Naturalismo. Na verdade não tenho bem querer algum por essa estética. Mas, sinto admiração, como projeto literário, porque foi uma danada duma empreita. Contudo, em termos de naturalismo brasileira meu fôlego se refaz.

Quando li o Cortiço pela primeira vez, eu me lembro de sentir um embrulho na boca do estômago, especialmente por dó da pobre Bertoleza. Aquele português nefasto e a maneira como as pessoas são desumanizadas naquele cortiço, que é tão vivo em sua escatologia, que ganha forma e quase estruturação de personagem ipsi literis.

Mas, de todas as obras naturalistas que li, a menos naturalista, no meu ponto de vista ao menos, é justamente o Cortiço e, por isso, mais palatável. É interessante reparar que o livro de Aluísio Azevedo não segue fielmente a teoria do romance experimental de Zola, não há apenas o homem preso às leis físico-biológicas ilustradas por personagens animalizados. Mas o cortiço se personifica, transformando-se quase numa personagem, contudo, de interação ou observação, sem engolir ou mesmo anular o conjunto humano e  sua individualidade.

Temos as mulatas faceiras, o português escroque, a única que parece evanescer é a pobre negra Bertoleza, a quem o meu coração pertence, em termos de Cortiço. A morte por suicídio meio que para eximir o branco explorador João Romão, é quase que um paradigma, uma sentença, de que o fim de todo negro seria aquele, a morte de maneira execrável, por abandono e exploração. O que ficaria seria a herança da mestiçagem faceira e esperta.

O cortiço narra a aventura do enriquecimento individual, mas essa narração não acontece de modo objetivo, mas sim patológico e constitui um julgamento moral do personagem João Romão, o português escroque, que protagoniza esse enredo como o explorador que consegue se tornar, a partir da apropriação da pedreira, da estalagem e da taverna, o eixo central em torno do qual todo dinheiro circula. Esse ganhador de dinheiro profissional emprega trabalhadores, pagando-lhes salários miseráveis; dinheiro que volta para suas mãos em forma de aluguéis de quartos e de cômodos precários e como pagamento pelos víveres consumidos em sua venda. Cria-se, assim, uma convivência íntima entre explorador e explorados, fenômeno possível graças ao estágio primitivo da economia acumuladora vivida então pelo Brasil colonial. E se podemos ainda reconhecer a validade da estratégia de zoomorfização tão ao gosto naturalista, acredito que ela resulta antes da redução do trabalhador explorado à condição de animal de carga (Bertoleza) do que da miscigenação e da natureza tropical.

O significado que O Cortiço alcançou ao longo dos anos decerto mudou. O que me chegou faz pouco tempo, depois de anos sem revisitá-lo, o que fica é a imagem contundente da miséria e da exploração humanas.

Inté.

Imagem: Foto do antigo Cabeça de Porco que foi o maior cortiço do Rio de Janeiro. Conta-se que Aluísio Azevedo morou no cortiço num misto de necessidade (o escritor maranhense era muito pobre) e laboratório experimental para sua empreita literária. Inimigo dos cortiços, o prefeito higienista Barata Ribeiro mandou derrubar o famoso Cabeça de Porco em 1893. Na década seguinte, o prefeito Pereira Passos promoveu reformas urbanas no processo conhecido como “bota abaixo”, demolindo muitos sobrados. Os desalojados migraram para outros cortiços ou para as primeiras favelas da cidade, construindo barracos com a madeira da demolição. Aliás o nome favela vem de Canudos. que foi fundada no Morro da Favela. Favela é uma planta típica daquela região da Bahia. Os soldados que combateram Canudos eram muito pobres, a maioria morador de cortiço, quando voltaram da guerra, os cortiços não existiam mais, daí receberam "como prêmio" começar tudo de novo nos morros, que apelidaram de favela, em homenagem à favela original. 

Post Scriptum: Descobri que minha edição de O Cortiço sumiu, na verdade emprestei e a pessoa "esqueceu" de me devolver. E era ma edição bem simpinha da editora UFC. Ou seja, minha próxima aquisição. Já contabilizei 25 livros meus que "sumiram" nessa coisa de emprestar e nunca devolverem.

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