sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Água Negra, versão de Walter Salles



Passei anos me recusando a assistir a versão estadunidense do fantástico Dark Water japonês, por realmente não acreditar que fizessem algo minimamente a altura, como o caso de O Chamado, que conta com boa versão hollywoddiana. Mas dia desses estava passando de madrugada na televisão e resolvi dar uma chance.

O nome por trás da versão ocidental de Honogurai mizu no soko kara (de Hideo Nakata, 2002) é um conhecido nosso, Walter Salles (Central do Brasil), que fez o filme do jeito dele, o que devo confessar, ficou bom: um filme com pegada setentista, à moda de O exorcista (1973) e dos suspenses opressivos de Roman Polanski. Não interessa a Salles, ainda que se mantenha fiel à premissa original, pregar sustos. O filme de Nakata já era bem econômico neste sentido, mas tinha lá seus vultos no espelho, no elevador, suas crianças correndo diante de portas abertas. Salles reduz ainda mais esse tipo de recurso. Os sustos só servem para extravasar a tensão psicológica que ele faz questão de represar. O único artifício que Salles preserva é, evidentemente, o líquido lodoso que sai de torneiras e pinga do teto. Já reparou como todo filme de terror tem o seu problema de encanamento, com banheiras transbordando? Pois aqui a água, protagonista, está por todo lado. Não a causa, mas o efeito. 

Não pára de chover em Roosevelt Island, anexo pobre de Manhattan, com seus prédios customizados para abrigar centenas de famílias. É para lá que se muda Dahlia (Jennifer Connelly) com sua filha Ceci (Ariel Gade, um achado) depois de se separar do marido (Dougray Scott). Ele reclama da distância, diz que é provocação para dificultar suas visitas, ameaça pedir a guarda da menina na justiça. Dahlia diz que o aluguel barato, o metrô e a escola na porta de casa contaram mais. Mas basta ver o apartamento para conferir o sacrifício que elas fazem. O lugar é um buraco. O malandro Mr. Murray (o maravilhoso John C. Reilly), administrador do prédio, tenta dissimular o indisfarçável. É a chuva, diz ele, diante das goteiras que dominam o cubículo apertado, escuro, depressivo. 

Bem, Dahlia não demora para descobrir que o problema não é a chuva. A grande sacada do diretor é intercalar manifestações sobrenaturais com evidências de que elas são só paranoia de Dahlia. Manter o pé no verossímil, até onde for possível, é importantíssimo dentro da sua proposta: tratar da família. Afinal, a preocupação da personagem de Jennifer Connelly (que compreendeu bem o que o diretor queria) é manter a filha ao seu lado. O marido reclama, seu emprego paga mal, a escola da menina não vai bem e o teto periga desabar em sua cabeça. Tudo conspira para afastar as duas (e, na visão de Dahlia, a estranheza que toma o apartamento é apenas parte dessa conspiração). Nakata, também criador dO Chamado e Água Negra originais tem outra preocupação, a sociedade japonesa é menos emotiva, ou sentimentaloide, dependendo também do ponto de vista. E os suspenses japoneses atuais são prioritariamente baseados na filosofia oriental. Tem-se um mistério do além e tem-se uma pessoa, afetada por uma espécie de maldição, que só se libertará quando solucioná-lo. Água negra na versão de Walter Salles funciona diferente, porque não privilegia o fantasma, mas a maldição; não a causa, mas o efeito.

Inté.

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