sábado, 31 de agosto de 2019

A vida invisível de Eurídice Gusmão





"Preciso continuar te escrevendo para não esquecer da pessoa que um dia eu fui"

Mexeu muito comigo o filme do meu conterrâneo Karim Aïnouz. Uma vida quase toda imperceptível é uma coisa que conheço de perto e é isso o filme, sobre como nós mulheres muitas vezes não somos enxergadas como pessoas, e a visão que chega até nós é a da violência e do silenciamento. A frase acima é escrita pela protagonista e bateu fundo. Entre 2008 e 2014, anos em que estive invisível pelo Rio (onde se passa a narrativa) escrevia pra uma amiga muito querida, uma espécie de irmã, apesar de que nunca soube direito o que isso significa. Hoje eu sei que, além da saudade que me incitava à escrita de cartas e e-mails, eu também escrevia pra não esquecer de mim mesma. E nunca mais nos vimos.

O filme é baseado no livro de Martha Batalha, que narra a trajetória de duas irmãs, cujos sonhos são oprimidos e soterrados pelo machismo da nossa sociedade que, nos idos de 1950 era sensivelmente mais voraz, contudo, que o século XXI ainda não conseguiu vencer. 

A vida invisível tem um ar de telenovela maravilhoso, as telenovelas que cresci assistindo, como as de Janete Clair e ainda, algo dos filmes que passavam na Sessão da Tarde de anos atrás. Interessante que faz pouco tempo, gostar de novelas era sinônimo de cafonice ou pouca inteligência: "eu não assisto novela" era a frase padrão. Mas hoje, observo vilãs de novelas como Odete Roitmam, Nazaré Tedesco e Carminha virarem ícones dessa mesma gente e mais, outros elementos telenovelescos ganharem a tela grande e seguirem pra conquistar uma vaga na corrida rumo ao Oscar - o filme de Karim está na disputa pra concorrer a melhor filme estrangeiro. Ah  ironia do tempo. Ou da moda.

Mas voltando à estória só que nem tanto, uma vez ouvi de uma das minhas professoras de Literatura da faculdade, que se não todo, quase todo homem era canalha. Naquela altura, eu já meio que sabia disso, era quase uma verdade absoluta. Teimando, por conta de alguma mandinga universal, terminei de confirmar a canalhice, a maldade e a perversidade de homens que abusam do sistema que é feito pra eles e que exploram todos os malogros do machismo, pra fazer da vida das mulheres ao redor, uma agonia. A gente cala e mata nossos sonhos, silencia perante abusos emocionais e físicos e tem que ficar feliz quando é abandonada, porque temos de recompensa, mesmo que aos pedaços, a nossa vida, quando muitas de nós terminam mortas.

Soube que Karim sentiu-se homenageando a avó e a mãe, responsáveis por sua criação. Elas não serão invisíveis. Não sejamos também.

Inté.

Imagem: de um dos postais do filme, entregue na primeira exibição de A vida invisível, que abriu o Cine Ceará 2019 no Cine Teatro São Luiz, aqui em Fortaleza, e que contou com a presença do elenco do filme, incluindo a maravilhosa Fernanda Montenegro e o diretor Karim Aïnouz.

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