Não tem jeito, se você assistiu o filme Mother! está neste momento se perguntando, afinal, o que diabo é aquele pó amarelo que a personagem da J. Law coloca na água e bebe, toda vez que está abalada?
Obviamente que a resposta mais direta e lógica seria que é uma espécie de medicamento, só que a gente sabe que não é tão simples assim, porque todo o filme trabalha na casa da alegoria metafórica. Sendo assim, aquele pó amarelo não é um tipo de lítio ou algo que o valha, apesar de que tem o efeito similar, mas sim, enquanto metáfora, representa outra coisa e essa outra coisa está enlouquecendo todo mundo que parou sua vidinha durante aquela fatídica uma hora e cinquenta e quatro minutos (eu já assisti quatro vezes). Especialmente porque o Sr. Aronosky afirmou, numa das suas primeiras coletivas sobre o filme, que levaria o segredo do pó amarelo pro túmulo.
Aulas recentes, em que passei a audição do filme pros meus alunos (sim, sou louca), as discussões foram das mais incríveis, tanto pra quem adorou o filme, como pra quem não gostou, por se sentir incomodado ou até mesmo ofendido (vamos combinar que, pra quem é cristão praticamente e, especialmente católico, é meio pesado). Mas então, surgiram duas teorias:
A primeira, do meu aluno Vladison, 3ª ano, que lembrou da relação das antigas religiões de culto à mãe natureza, que talvez o pó amarelo significasse a fé desses adoradores, que ela sorve pra se acalmar, daí quando ela está grávida do motivo do novo tetamento (Cristo), ela não é mais adorada, ou não será mais adorada, e daí joga o pó fora. Agora, o porquê da cor amarela eu ainda não sei nem o Vladison me disse rs.
A segunda fui eu mesma, pirando no percurso pra casa, via Avenida José Bastos, numa segunda, feriado do comerciante, tudo fechado, sol quase se pondo e eu pensando em radicias da língua inglesa e o pouco de história da língua inglesa que aprendi quando estudava alemão (sim, é isso mesmo, maravilhas da Casa de Cultura Alemã). Yellow (amarelo, em inglês) seu radical saxão -yell significa gritar, clamar. O "dono da casa" (Deus) sempre inclui em seus discursos e escritos, presentes nos textos da Bíblia, o termo cry out, que também significa clamar. Ou seja: Ele fala dos clamores, mas quem os absorve e os sente é Ela. Eu sei lá rs.
E agora uma terceira, li numa matéria do Telegraph, que o pó amarelo seria uma leve referência ao livro Papel de parede amarelo de Charlotte Perkins Gilman, cujo enredo é o seguinte, temos a personagem central, que é nossa narradora em primeira pessoa, como uma espécie de diário. A narradora é uma mulher, cujo marido - um médico - a mantém num quarto que ele alugou durante o verão. Ela é proibida de trabalhar e se vê obrigada a esconder dele o diário que escreve, pra que ela possa se recuperar do que ele supostamente diagnosticou como sendo uma "depressão nervosa temporária - uma leve tendência histérica", um caso comum às mulheres da época, ou seja, que misógino. As janelas do quarto possuem grades, e há um portão no topa das escadas, permitindo que o infeliz do marido controle o acesso ao restante da casa. O conto ilustra o efeito do confinamento na saúde mental da narradora, e sua propensão à psicose. Não tendo nada para estimulá-la, ela se torna obsessiva pela textura e cor do papel de parede do quarto. "É do amarelo mais estranho, esse papel de parede! Me faz lembrar de todas as coisas amarelas que eu já vi - não coisa lindas como botões-de-ouro, mas ouro envelhecido, e péssimas coisas amarelas. Mas tem algo de errado nesse papel de parede - o cheiro!... A única coisa que eu posso pensar sobre isso é que é a cor do papel de parede! Um cheiro amarelo." No fim, ela imagina que há mulheres arrastando-se atrás do papel de parede amarelo, e chega a acreditar que ela é uma delas. Ela se tranca no quarto, que agora é o único lugar onde ela se sente segura, recusando-se a sair dali quando o aluguel do quarto expira.
Contudo, procurando mais coisas sobre, encontrei uma outra entrevista do Aronosfsky em que ele solta a língua ao menos um pouquinho.
What was with that yellow powder concoction that Jennifer’s character drinks?
Oh no, this is the one I don’t love answering. [Laughs] I think Jen has a better answer for this than I do. Let’s just say it’s harkening back to Victorian novels and this idea of a deeper connection for her and the house. But I don’t love to go deeper into it than that.
O que era aquela mistura em pó amarelo que a personagem de Jennifer bebe?
Oh não, essa é uma que eu não quero responder [Risos] Eu acho que Jen tem uma resposta melhor pra isso do que eu. Vamos dizer que tem relação com as novelas vitorianas e esta ideia de uma profunda conexão entre ela e a casa. Mas eu não gostaria de me aprofundar nisso.
Adendo: J. Law sabe!
Mas então, agora que embolou o meio de campo rs. Se a gente parar pra refletir que, em termos de novelas da época vitoriana, temos Charles Dickens, Eliot e as Irmãs Brontë, com romances como Morro dos ventos uivantes, Jane Eyre, Villette, etc, realmente há essa tal de profunda relação com a casa, até porque estamos falando aqui da Inglaterra, dos longos períodos trancados em casa, no outono e inverno, em que só havia a casa e a leitura, que era feita em geral em voz alta, ou seja, as estórias eram concebidas para serem lidas em voz alta, pra todos se entreterem, daí em parte o epíteto "novela". O que isso tem a ver com pó, gente? e um pó amarelo rs? Será que é uma referência as inspirações dos escritos da era vitoriana em relação a escritoras como Charlotte Perkins Gilman?
Aceito ajudas, sugestões, abraços etc coisa e tal.
Bisous.
P.S.: Ninguém reparou, pelo menos não que eu tenha visto, mas eu acredito que o tal do pó amarelo aparece em outra momento no filme, quando ela está preparando uma espécie de argamassa, ela está misturando lá e o resultado é dum tom amarelado, primeiro meio claro e depois mais intenso. Eu acho que é o mesmo pó. Levando em conta que ela é a casa...
UPDATE!
Na minha última aula, pra um das minhas turmas de primeiro ano, um dos alunos, que já fez estudo bíblico e lê constantemente a bíblia, lembrou d e alguns trechos, fez algumas anotações. Lá no livro do Gênesis 1:2: No princípio criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia.
No começo do filme, Ela (a terra/natureza) que é ela e ao mesmo tempo a casa (que é a terra), está arrumando a casa que já fora destruída, meio sem vida ou que não está pronta. Ao longo da narrativa, numa discussão entre o Poeta e Ela, Ele fala que a casa não tem vida, e Ele quer que se encha de vida e ideias, etc. Ela, em várias partes da primeira metade do filme, sente a casa, toca nas paredes, fecha os olhos, e vemos seu interior pulsar, no que parece um útero (vida). Sempre que está alterada, em desequilíbrio, faz uso do pó amarelo misturado em água (fora o que passa na argamassa das paredes). Então, levando em conta que no início a terra era sem forma e vazia, ou seja, sem vida, o líquido amarelo pode sugerir uma espécie de vida, que ela ingere sempre que está em desequilíbrio, que vem justamente, pois ela é sem forma e vazia. Daí, quando ela engravida do Filho do Homem (Jesus), ela joga o pó amarelo fora, pois Ele veio para que tenhamos vida: trecho em João 10:10: " eu vim para que tenham vida, e que tenham vida em abundância."
E aí, minha gente, eu fiz a ligação com as tais novelas vitorianas, já que se lia as tais novelas no inverno, para trazer vida pra dentro de casa, e daí a relação das mulheres e das casas, pois eram elas que liam, ou seja, que trariam (ou criavam) vida.
Já a escolha da cor amarela, acredito que seja pela representatividade do amarelo, cor do ouro, do sol, do açafrão, representa a luz divida, já que atravessa o azul do céu, e ainda, a gema de ovo, que guarda a vida, amarelo simboliza isso, vida. Na Bíblia, o amarelo é a cor da cura, da unção, da fé em Deus, talvez daí Ela precise ingerir o amarelo, pra se curar, ungir e se embeber de fé Nele.