quarta-feira, 27 de junho de 2018

Hereditário - brincando com a Goetia



Estou impactada. E assustada. Podia fácil resumir o que tenho pra escrever sobre o primeiro longa de Ari Aster (não parece nome de vídeo-game?), Hereditário. Muito porque sou uma pessoa impressionável, que ainda guarda muito da menina que via monstros com braços de galhos de árvores na penumbra do quarto. Muito porque, como persona-gótica envolvida com as sombras e a escuridão, acredito piamente que há muita coisa que não somos capazes de entender. E nem deveríamos. E, quando um filme "brinca" com estes elementos, que realmente existem e são cultuados em algum nível, a coisa muda de figura. Ou não, vai saber.

O filme em questão se tornou um sucesso de bilheteria e crítica, apontado como um filme tão revolucionário para o horror como Bebê de Rosemary e Exorcista. Embora o impacto inicial de filmes de horror tenha o costume de atrair exageros, havia motivos para aguardar de forma ansiosa a estreia do filme no Brasil. Primeiro porque a produtora do filme, a A24, famosa outrora pelos filmes de Tarkovsky e por agora A Bruxa e Ao Cair da Noite (que eu ainda não assisti), considerados dois dos melhores filmes de horror dos últimos anos. Depois, porque a confiança na sua própria produção é tão grande, que a A24 já anunciou que pretende brigar pela indicação ao Oscar de Melhor Atriz da protagonista do filme, Toni Collette, algo que tem ainda mais relevância, considerando o desprezo da Academia por filmes de horror. 

 Então, o filme acumulou altíssimas expectativas que, no entanto, foram insuficientes para se preparar para a experiência toda. Hereditário não é só um excelente filme de horror, mas uma experiência perturbadora. Em seu âmago, é um filme sobre uma família disfuncional e como os pecados de nossos pais afetam quem nós nos tornamos. A estética do horror, no entanto, está marcada desde o primeiro momento do filme. É durante um funeral que recebemos os elementos que sustentam a trama. Annie (Toni Collette) precisa confrontar a morte de sua mãe e o fato de que essa não é uma perda que a deixe particularmente triste, consequência de uma vida secreta da matriarca, que resultou no agravamento de seus transtornos psiquiátricos. Seus dois filhos, Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro - acho que a triz tem algum problema facial, alguma displasia, como Dustin de Stranger Things), sentem essa morte de diferentes maneiras. Peter, que cresceu acostumado com a ausência da avó, não parece se incomodar com seu falecimento; já Charlie, que cresceu sob seus cuidados, se pergunta como irá sobreviver no mundo agora que perdeu um de seus principais apoios. Esses questionamentos são ainda mais relevantes para Charlie devido a seu isolamento, fruto de algum transtorno psicológico que nunca se torna explícito; sabemos apenas que a menina tem dificuldades em prestar atenção nos outros e não mantém relações próximas com ninguém fora do círculo familiar. O pai, Steve (Gabriel Byrne), completa o núcleo central da narrativa, com uma personalidade menos marcante, mas que deixa transparecer o modo como ele toma para si a tarefa de sempre intermediar os conflitos familiares e oferecer o suporte necessário para a esposa e os filhos. 

Como o próprio argumento do filme já antecipa, a vida secreta da avó morta irá trazer consequências graves para toda a família, sobrenaturais ou não, e é com o desenrolar desses eventos que Hereditário mostra a incrível capacidade de seu elenco de dar vida e peso aos conflitos emocionais que tornam o filme tão perturbador, não só pela forma como explora o mal secreto que irá assombrar a família, mas, principalmente, pela construção de relações reais, com forte carga emocional. 

 A forma como Aster decide filmar Hereditário também reflete a profissão de Annie, uma artista especializada em fazer cenários em miniatura; a câmera distante, enquadrando determinada sala, faz com que o cenário lembre sempre uma casa de bonecas. Conforme chega ao seu desfecho, Hereditário se aproxima cada vez mais do horror sobrenatural e se afasta do drama familiar. Essa é uma progressão natural do filme, porém que faz com que cada vez mais elementos grotescos sejam introduzidos, a ponto de que espectadores mais desatentos possam ficar confusos em relação ao que está acontecendo na tela. Essa incerteza faz parte da forma como o filme constrói o medo e a angústia constante, porém é também o que pode afastar parte do público. 

O final lembra bastante o final de A Bruxa e, ao mesmo tempo, não. É quase a mesma coisa, mas de outro jeito. Não se trata, no entanto, de um final aberto e sem resposta, já que cada imagem de Hereditário foi produzida minuciosamente para que a repetição de certos elementos deem pistas sobre o sentido global por trás da trama, desde objetos espalhados pelo cenário até reações quase imperceptíveis de figurantes no fundo da tela.

Gostando ou não do filme, o gênero horror mais do que chocar, é pra nos tirar de qualquer zona de conforto. 


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